De tarde, fui chamado ao capitão...

Do Diário da minha guerra (1974)

“24 de março – De tarde, fui chamado ao capitão do esquadrão de Cavalaria. Assunto: amanhã, às 8 da manhã, missa por alma de 4 do esquadrão que morreram num ataque a uma coluna entre Nova Lamego e Piche.

Domingo 19 (maio) – Antes da missa, cheguei ao conhecimento da morte repentina dum soldado da Boavista, Leiria – o Francisco Felício dos Santos, um rapaz que passou o que Deus sabe em Gadamael e, agora, sem que ninguém esperasse, morreu.

23 de julho – Antes de almoçar, já na messe, um telefonema para o capitão a pedir, do CAOP, para eu ir a Piche, fazer o funeral dum soldado. Morreu ontem por falta de assistência: uma úlcera. Fui. Do CAOP, enviam-me directo a Piche. Missa às 15.30. Era o José Manuel Alves Correia, de Tomar, casado com Vicência de Jesus da Conceição Correia, moradora na Rua de Trás dos Bacelos, nº 2 – Tomar.

Sexta – 2 de Agosto – Também hoje, mais uma sensação nova: dar a notícia da morte duma filha dum cabo. Era de Monte Real. Fiz o melhor que pude.

Quarta – 21 de Agosto – Soube que ontem faleceu um furriel de desastre (electrocutado).”

E a impressão que me fez… saber que, em últimos tempos de comissão, o Reis de Fátima, filho do Barreirinho, da Pensão Primavera, ali em baixo, ter sucumbido ao paludismo, fraca assistência… O Reizito, do Bar, sempre com aquele calção de caqui, pequenito mas serviçal. Fajonquito onde está uma capelita, erguida pelo nosso conterrâneo Sr. Ferreira, do Colégio São Miguel, quando era sargento de serviço. Um Alferes, fora de si, rebentou uma granada que vitimou três ou quatro! Levantou um memorial!

E a impressão que me fez saber que, no fundo dos fundos do Navio Niassa, que em Setembro de 74, nos trouxe até Lisboa (3 batalhões – 3 mil homens), quantas (???) urnas vinham no fundo?

E a impressão que me fez, passados 42 anos, em visita ao cemitério de Bissau, logo ali à direita, boas dezenas de campas, bem cuidadas por sinal, por ordem da Embaixada, já com as letras a sumirem, de soldados de 63/64/65, cujos corpos não foram repatriados. Ainda não era postura do Estado fazer isso e as famílias não tinham meios.

E aquela passagem por Quebo (Aldeia Formosa) e Bula… onde nostalgicamente recordei o (Alferes) Américo Henriques, nosso colega de Seminário, ali morto em emboscada em 1967.

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Não sei onde nem quando copiei o papelito abaixo – Fado – que há dias me apareceu no meio duns  papéis antigos… sem data, sem autor… Aí está: Cruz de guerra! São recordações, porventura traumas de quem por lá andou… Recordações bárbaras, mas sentimentais!

 1 – Quando vieram dizer à pobre mãe

Que o filho tinha morrido lá na guerra

Ela ajoelhou a tremer sentindo bem

o desgosto mais dorido que há na terra.

 

2 – Trouxeram-lhe a cruz de guerra que seu filho

Como valente soldado merecera

E sobre ela a mãe poisou o olhar sem brilho

Recordando o filho amado que perdera.

 

3 – Na cruz de guerra pegou como quem sente

Reconforto divino que sonhara

E com ternura a colocou serenamente

No berço em que pequenino o embalara.

 

4 – E a pobre mãe santa do céu em pleno inferno

Pôs-se a embalar o berço e a dizer:

Dorme, dorme, filho meu o sono eterno

Como eterna é a minha dor de te perder!

 

5 – E a pobre mãe rematou neste contraste:

Dorme, dorme o sono eterno, filho meu,

por causa da cruz de guerra que ganhaste

Quantas mães choram hoje como eu!