Piche! Encomendação dum militar falecido. (23 de Julho de 1974)
Ida arriscada, picada longa e brutal, fui chamado de Bafatá a Piche. Um rapaz de Tomar, o Alves Correia, que, por falta de assistência, passou a “meta”. Medo, apreensão, coração nas mãos, passamos Gabu – cidade linda e bem traçada, geometricamente, com movimento especial, naquelas avenidas bem iluminadas por candeeiros de praça, solenes e altaneiros, muito bem colocados. Parecia civilização! Fardas às centenas.
Hoje? O traçado é o mesmo. Mas, ó céus, o alcatrão? derreteu, evaporou. Pó e lixo, ena tanto! Na época das chuvas como será? A entrada para o adro da igreja, a entrada para o hospital… ó buracos! Fios caídos, postes inclinados, maltratados… ainda dará luz? Duvido. A Irmã Andreia levou-nos à Casa das Mães, onde a assistência é primorosa. Não se pode fotografar o recinto do hospital. Há logo um polícia e repreender. Ainda três passos mais adiante, entrámos na degradação duma rua que era um primor, a conduzir mais além. Hoje parece-nos penetrar na selva imensa. Retrocedemos, passamos a ebulição dos vendedores e poucos compradores, num mercado que, já característico, (postal ilustrado duma civilização a regredir aos tempos indígenas de antanho). Que angústia! Aos que algum dia, por infelicidade duma mobilização obrigatória, conheceram a dignidade duma povoação que ascendeu à categoria de cidade, revistam-se de muita paciência porque o que vão encontrar está a milhas de distância da imagem bela que alguém possa ter guardado. Saímos enojados! Rápido, porque depois do almoço, teríamos longo trajecto até Bissau.
Pelo caminho fui recordando nomes: Piche, Burumtuma, Pirada, Canquelifá, Copá… Deixem-me “escarafunchar” nas dobras da memória, já meio encarquilhadas, ou no meu diário amarelecido (são 40 anos!)
Numa tarde, em Fajonquito, no meio dum jogo de futsal, num ringue de cimento, bum… bum… bum… ouvia-se ao longe. Oi! Lá está Pirada a embrulhar! (brava expressão para significar flagelação de morteiros, canhões sem recuo e mísseis na parada).
Fajonquito – recordo a capela, mandada erigir pelo sr. Ferreira (o do Colégio S. Miguel), sargento na altura, em memória dos mortos duma granada, lançada por um soldado enraivecido e fora de si. Os nomes lá estavam para testemunhar… Aí contactei com o Manuel Reis (do Joaquim Barreirinho), de Fátima, furriel suponho, que ali veio a morrer de paludismo por falta de assistência. Dentro de 8 dias estaria de regresso. Aí por Maio ou Junho de 74. Paz, caro Reis! Pirada… foi aí que o Capelão Fagundes, dos Açores, entrou em depressão e teve de ser evacuado, pouco tempo depois de aí ter sido colocado. Era Sábado Santo!
Ó Canquelifá! – chamo eu ao Heleno, de Monte Real, que, (também lá estava o Raul de Mira de Aire), ao chegar a tardinha, fugiam para os abrigos porque todo o mês de Fevereiro foi de “embrulho”. Um militar, meio apanhado do clima, maluco mas ousado, fez belas fotografias de mísseis a rebentar estrondosamente na parada.
Ousadia, sem dúvida! Aventura, também! É história.
Gabu – Nova Lamego de então. O que fizeram de ti!?
AO (Alferes capelão)
Aldeia (tabanca) da Guiné-Bissau nos anos 70 do séc. XX