Encaixotados como convém, descemos à bolanha, passámos a ponte (outrora umas tábuas a ranger em cima duns troncos de palmeira), hoje mais civilizada, de ferro…
Oi! Ali à esquerda a picada para Galomaro! outro Batalhão, sempre em tensão absoluta, mais por culpa do ambiente entre chefias do que por culpa da guerra… (ó médico – Rui Coelho, é? Lembras a revolta que te ia no coração? Nunca esqueci aquela latinha de ovas que me deste em partilha com umas cervejolas… fomos surpreendidos pelo comandante… lembras?).
E lá fomos rumo a Bambadinca. Ao cimo, o alto do quartel… zona animada à beira da estrada com mercado permanente, Muito se vende, pouco se compra, mas há movimento… estrada nova para o Saltinho, já nem se vislumbrou Mansambo. O trilho é outro. Que recordações!
Ó Alferes Aido! E aquela emboscada no mês de Maio, quase um mês depois do 25 de Abril? Não podes lembrar. Descansa em paz! Ai aquela chuvinha primeira da época, ai aquela visita à tabanca mais próxima, ai aquela “liberdade” dos soldados e oficiais no trato com as “beijudas”… ai!… ai!… Ai aquelas bananinhas! Ai o esforço de colher água para a malta se servir no quartel!… Ai a desmatação e os milhões de mosquitos à volta da cabeça, adornada de mosquiteiro? E quantos mais ais?…
A velocidade aumentava na planura duma estrada em bom estado, só alterada por umas lombas ou por alguma cabra ou porco que se atravessava no alcatrão.
Agora já não! Mas lembro por ali a “curva da morte”. Grande coluna de reabastecimento a Mansambo, Xitole e Saltinho: 3 carros de combate, não vá o diabo tecê-las, a enquadrar as dez camionetas Toyota carregadas com víveres para as centenas de homens que ali penavam nos três quartéis daquela mata! Grande estouro na “curva da morte”! Bum!!!… Lembras-te, Alferes André? Até te aleijaste. Tudo deitado no chão, de prevenção, olhos e ouvidos atentos, à espera dalgum berbicacho! (Era já o dia 1 de Junho). Silêncio… nada… espera… Afinal, tinha sido um pneu duma camioneta a estoirar em grande ruído!
Ah! O Xitole! O “trilho” é hoje muito diferente do de então. Nada resta. Talvez alguma coisa lá mais para o interior da mata.
Ó Mangualde! Lembras aquela ponte onde estavas de sentinela quando um furriel, que te não gramava, atirou uma rajada? Ficaste a gaguejar, sem fôlego e sem voz. Contei isto aos meus amigos. E quando no outro dia à tarde foste à “psico” na tabanca e a “beijuda” não estava de bons humores e te rejeitou e lhe atiraste uma sonora p…. instantânea, e a língua se te desemterabelhou, como por encanto! Lembras-te da alegria quando chegaste ao quartel? Ó capelão, já falo outra vez! Que júbilo!
E já não faltava muito para o Saltinho. Em correria desenfreada passávamos aquela selva onde vi tapar-se o sol com a nuvem de vampiros que à tardinha saíam para a caça nocturna. Hoje, não se viu (claro, é dia ainda) nem se vê, ao que parece, nem morcego.
Oh! Olha a ponte Craveiro Lopes! Que, na altura, fechada ao trânsito, fronteirava o domínio colonial português (!) da novel nação, Guiné) com sede na região de Madina do Boé, onde o PAIGC declarara unilateralmente a independência! (Setembro de 1973), independência logo reconhecida por alguns países congéneres.
Oh! As quedas de água que dão o nome à região – o Saltinho. De facto chamar-lhe quedas é um abuso. Saltinho(s) fica melhor. Aí se banhavam desinibidos os soldados, aí se pescava lagostim… aí era lavada a roupa dos soldados e oficiais. Mas cá deste lado, claro. Do outro… nada. Só espia e cautela. Mas não houve problema. Era o rio Corubal, onde, mais acima, uma jangada sobrelotada e carregada em demasia (a última duma saída de companhia), precipitou dezenas de soldados, muitos dos quais nunca mais apareceram.
Spínola testemunhou e homenageou.
Entrámos na cerca do quartel, hoje um “ressort” turístico, muito primitivo, a ocupar a “Sala do Soldado” (refeitório do restaurante) e uns tantos restos do então quartel da Companhia. Olha! 2 chuveiros ainda dependurados duma parede, o que resta, onde a malta se refrescava desinibidamente depois de um bom jogo de futebol na parada ou do regresso de uma incursão cautelosa na mata. Voltados para a parede a água escorria fresca e abundante. Ali dormi em subterrâneos infectos, cheios de podridão mal cheirosa ao corpo e ao espírito, tantas as imagens pornográficas que revestiam as paredes. Enfim… guerra! E ratazanas? Vi…
Foi cabrito e foi frango que umas boas cervejas e vinho alentejano que, na sala do soldado, matámos a “nossa” fome, fome que lembrou tanta fome que que um pouco de “vianda” (arroz) e marmelada ou salsichas contentavam combatentes duma guerra sem sentido.
Admirámos a beleza duma construção colonial, ponte forte e bem armada, as belezas dum rio que aqui encontrou uma descida mais acentuada (tudo o resto é plano), atravessámos a ponte a pé, fomos aos penedos junto à água que em cascata, marulhava segredos de outrora e confianças de futuro. Apareceu logo uma chusma de garotos de mão estendida, e regalados com umas guloseimas ou brinquedos que, esquecidos no bolso, se iam distribuindo para gáudio da pequenada.