Pausa programada para que o miolo da semana tenha actividade diferente: turismo, praia, vida livre com visitas a locais de algum interesse (turístico e religioso). Orango, ilha bijagó.
Rumámos a Quinhamel. Nome que evoca algum romantismo nas agruras duma guerra sem sentido. Badalado entre dentes, era refúgio para privilegiados, sobretudo os que lá tinham família, quadros superiores sobretudo. Algum turismo, sobretudo gastronómico, hoje ainda a atrair gastadores e gostadores de ostras, bem regadas por cervejame fresco. O cemitério de cascas de ostras, latas e garrafas de bebidas, são disso amplo sinal, mesmo numa tabanca adrede, junto ao Geba, propriedade do Nélson, o português.
Entrámos nos barcos com alguma dificuldade, que o cais, de lodo e lama, não está preparado para acolher turistas finos. Por isso, pés na lama, ajudados por prestáveis colaboradores, equipados de ponche e coletes de salvação, por causa do salpico e da lonjura da ilha, em pleno Atlântico. Duas barbatanas de golfinhos cortaram rápidos a água, não muito longe de nós, na planura duma água quieta de lago. Roncava, roncava, numa monotonia ensurdecedora, ladeando ilhas, mais ilhas, umas pequenas outras maiores, cujos nomes alguém ia ditando na sequência vista e descrita pelo mapa: a das Galinhas, a Uno, a das Cabras, Caravela, Bubaque…
“O Arquipélago dos Bijagós faz parte da Guiné-Bissau e é constituído por 88 ilhas situadas ao largo da costa africana compondo uma área protegida, classificada pela Unesco em 1966, como reserva da biosfera” (Wikipédia).
“O Arquipélago dos Bijagós é uma das últimas jóias de África. Chamam-lhe, em crioulo, bemba di vida (o celeiro da vida, em português). É fácil perceber porquê. As suas 88 ilhas são reservatórios de biodiversidade de importância mundial e reserva de maternidade para espécies em risco de extinção. Nos cerca de quarenta mil hectares de mangais, passeiam aves provenientes do outro lado do mundo, crocodilos, uma colónia única de hipopótamos marinhos e a maior população de manatins da África Ocidental. É um reduto da vida selvagem em estado puro” (National Geographic Portugal).
Ilhas, muitas. À esquerda, à direita, ficando para trás na imensidade dum horizonte que perseguíamos na calmaria de águas mansas e límpidas, afloravam ao longe, de frente, pouco mais que miragens em risco no infinito do horizonte. Eram mais ilhas.
As horas (foram só 4…), essas iam passando e as tais miragens em risco no infinito do horizonte foram emergindo mais nítidas, a dizer que Orango estava a nascer no nosso horizonte visual. E, passadas 4 horas de caminho, melhor, de navegação calma e serena, com mais uma abordagem à direita, finalmente uma praia se nos apresentou de frente. Areia finíssima, em maré baixa, quase lama, pés na água, enterrados na areia movediça, somos levados ao “ressort”, único numa imensa extensão de areia… Seguimos o trilho, em escadinhas primitivas, em que as cascas de berbigão substituem o “touvenant” ou a brita… por entre bangalós atabancados. Há apenas uma suite que três sacrificados em noite anterior difícil em Bissau, saborearam, alojamento real, digno de príncipe árabe. Foram 3 dias de relaxe e descanso, a limpar o pó das ruas de Bafatá e a fazer esquecer o relaxamento e a degradação de cidades que outrora eram um primor. Paz, silêncio e quietude a penetrar na alma… Que aqui não há civilização que nos incomode! Tudo é natureza, tudo é simples, tudo é belo.
Banho regenerador em água tépida, procurada longe e só a chegar aos joelhos, em maré baixa, mas em maré alta a dar a possibilidade de mostrar dotes de natação. Soube bem.
Enquanto alguns rumaram à procura dos hipopótamos marinhos e se embrenharam custosamente, e gostosamente ao que parece, por entre canais estreitos e de difícil acesso por bolanhas enfadonhas, outros, orientados por guia local, meteram mata adentro, ao sol tórrido, à procura duma tabanca primitiva, onde o chefe da comunidade nos recebeu, de bengala na mão, por idade provecta, numa voz velha e aflautada. Pagámos o tributo tribal e fomos ao Panteão visitar o que resta da sepultura da última Rainha dos Bijagós, Okinka Pampa. Escuso-me a comentar, dado o abandono, a sujidade, a degradação de tudo o que nos foi dado ver. Garotada ao molho, de mão estendida, atiçada por dois ou três beneméritos que nestas ocasiões recheiam os bolsos de guloseimas para espalhar, à maneira dos confeitos dos meados do século passado nas nossas terras em ocasião de casamento ou visita pascal. (Verdade seja dita que, dois meses passados, a geografia é a mesma mas a limpeza e o término das obras no Panteão, nada têm a ver com o que no foi dado observar então). Passámos pela rádio local, em instalações do parque natural, que, somente de noite, faz chegar aos autóctones algumas notícias e até relatos de futebol português.
De tarde, uma visita de evangelização, com celebração na capela, à tabanca original da ilha. O Catequista Adelino, de boa formação cristã e intelectual, locutor da rádio, preparou e convocou a comunidade cristã, pequena, é certo, mas viva e cheia de esperança. Tudo muito bem cantado e embalado em ritmo africano, como é seu ADN, uma celebração viva e entusiasmante para quem, tão longe de qualquer “civilização”, tem ocasião de contactar com outros cristãos de outros quadrantes, e outras formações. Aqui o mandato “Ide por todo o mundo” adquire verdadeiro sentido.
São experiências únicas na vida penetrar numa selva dura, para mais uma ilha longínqua, e encontrar uma fé tão viva e tão cheia de entusiasmo. Faz bem à alma.
AO (Alferes capelão)